A morte de Maradona completa um ano nesta quinta-feira (25) ainda envolvida em mistério, acusações, intrigas e uma série de indiciamentos feitos pela Justiça da Argentina. No último dia 8 de novembro, os responsáveis pela investigação do caso confirmaram o indiciamento por homicídio eventual doloso de sete pessoas que cuidavam da saúde do craque antes de sua morte.
Homicídio com dolo eventual é aquele no qual a pessoa prevê que suas atitudes podem resultar na morte de outra. Mesmo assim, prossegue com a ação, assumindo o risco de matar. Maradona morreu no dia 25 de novembro do ano passado, aos 60 anos, vítima de parada cardiorrespiratória.
Em abril deste ano, peritos convocados pelo Ministério Público de San Isidro apresentaram um relatório que determinava que o cuidado com a saúde do astro foi "irresponsável e inadequado". Segundo esta análise, se Maradona tivesse seguido internado logo após a cirurgia para tratar do hematoma no cérebro no começo de novembro passado, ele teria tido mais chances de sobreviver. E sustentam que "o paciente foi abandonado à própria sorte".
Maradona era gigante demais para ter sido abandonado no leito de morte, feito um moribundo, como defendem os que acusam os profissionais que cuidavam de sua saúde. A Argentina está atrás de um veredicto sobre os últimos dias de vida do astro.
Neste momento, há mais dúvidas do que respostas, mais intrigas do que esclarecimentos sobre sua morte. O Estadão registra pontos marcados pelos peritos que se debruçaram sobre o caso e que foram encaminhados para especialistas que participaram da junta médica para avaliar se estavam de acordo com suas conclusões. Os profissionais de saúde citados nesse relatório já haviam sido denunciados e estavam sob investigação. Agora, eles foram oficialmente indiciados. Caso sejam condenados, a pena poderá ser de oito a 15 anos de prisão.
As conclusões dos peritos:
ELE DEVERIA PERMANECER INTERNADO
Embora seja impossível afirmar que Diego Maradona não teria morrido se tivesse sido internado adequadamente, tendo em vista a situação documentada nos laudos dos dias anteriores ao seu falecimento, os peritos concordam que ele teria uma melhor chance de sobrevivência se permanecesse internado
ATUAÇÃO MÉDICA
A atuação da equipe de saúde responsável por Maradona foi inadequada, deficiente e irresponsável, conforme registrado no relatório de apuração depois que ele ganhou sua casa em Buenos Aires.
SEU ESTADO PEDIA MANUTENÇÃO NA CLÍNICA
De acordo com as boas práticas médicas e uma vez resolvida a patologia aguda que motivou sua internação na Clínica de Olivos (hematoma subdural) e considerando o quadro clínico psiquiátrico e o mau estado geral, ele deveria ter continuado sua reabilitação e tratamento interdisciplinar em instituição adequada, não em casa.
ELE NÃO RESPONDIA POR SI
Maradona, pelo menos desde que foi admitido no hospital, não estava em pleno uso de suas faculdades mentais nem em condições de tomar decisões sobre sua saúde.
PERÍODO AGONIZANTE ANTES DA MORTE
Maradona começou a morrer pelo menos 12 horas antes das 12h30 do dia 25/11/2020, ou seja, apresentava sinais inequívocos de período agonizante prolongado, portanto, os peritos concluíram que o paciente não estava devidamente controlado a partir das 12h30 daquele dia. Os sinais de risco de vida apresentados pelo paciente foram ignorados. Na gravação dos áudios do dia 25/11/2020, uma situação: "semana passada falei que tinha que levantar porque podia causar edema pulmonar".
SEM CONTROLE DO PACIENTE
A assistência de enfermagem durante a permanência em sua casa, após a saída da Clínica de Olivos, é marcada por deficiências e irregularidades, como foi amplamente exposto nos autos. Não havia controle dos movimentos do paciente. Maradona não apresentou controles corretos e assistência dos acompanhantes médico-assistenciais, de enfermagem e terapêuticos, nem na hora nem na forma. Conforme ditado pelos regulamentos de boas práticas.
SEM REGISTRO PSICOLÓGICO
Não há registro de atendimento psicológico domiciliar, após a saída da Clínica de Olivos, que os peritos consideram fundamental para o tratamento adequado da patologia que Maradona apresentou. Apesar de ter havido prescrição adequada de dose e posologia para seu transtorno tóxico frênico, a esse respeito os especialistas não descartam que esse medicamento não tenha influenciado no desfecho fatal, uma vez que não foram realizados controles nos 14 dias anteriores ao óbito.
ESTADO DE SAÚDE AO ACASO
Conclui-se da documentação analisada pela Comissão Médica Interdisciplinar, que a equipe médica assistente representou plena e cabalmente a possibilidade do desfecho fatal em relação ao paciente, sendo absolutamente indiferente a essa questão, não modificando seus comportamentos e planos/atendimento médico traçado e mantendo as omissões prejudiciais mencionadas, deixando o estado de saúde do paciente "ao acaso".
Os Indiciados
Faz um ano também que todos os envolvidos com Maradona em vida nos seus últimos momentos respondem ações criminais e têm de se explicar em audiências regulares. Nesta quinta-feira, quando se completa um ano da morte de Diego, deve haver uma comoção nacional no país, de modo a pressionar ainda mais a Justiça para acelerar suas conclusões e deliberar sobre o caso. A família de Maradona acompanha tudo de perto, ora com acusações mais exacerbadas, ora esperando por um desfecho que possa ajudar a entender o que de fato aconteceu. O Estadão traz um perfil dos profissionais que atenderam Maradona em seu leito de morte.
O MÉDICO
Leopoldo Luciano Luque, neurocirurgião, além de ter sido um dos médicos a operar o astro no dia 3 de novembro de 2020, esteve a cargo da internação domiciliar do camisa 10. Em janeiro, vazaram diálogos entre Luque e a psiquiatra Agustina Cosachov, do dia da morte de Maradona, em que eles discutem o estado de saúde de Diego. Entre as mensagens vazadas, está a resposta do neurocirurgião a uma mensagem com a captura de tela de um veículo de televisão já especulando sobre o possível falecimento, ao que ele responde: "Sim, cara, parece que o gordo teve um ataque cardiorrespiratório e está por morrer. Não sei o que ele fez. Estou indo para lá", escreveu. Leopoldo Luque, principal acusado da morte de Maradona, chegou a pedir a anulação do relatório dos peritos alegando imparcialidade dos profissionais.
A PSIQUIATRA
Agustina Cosachov era uma das encarregadas de fiscalizar o estado de saúde de Maradona e reportá-lo à família. É acusada de ter garantido em um certificado que, em outubro de 2020, a saúde mental de Diego estava em bom estado. No diálogo que se difundiu de sua conversa de 33 minutos com o médico Leopoldo Luque antes da confirmação da morte, ela relata, entre outras coisas, o momento em que o encontraram sem vida. "Entramos na sala e ele estava frio, frio. Com toda a circulação marcada. Começamos a tentar reanimá-lo e ele recuperou um pouco o tom, digamos, a temperatura corporal voltou um pouco. Tudo isso, mais ou menos, foram 10 minutos em que fizemos um RCP manual, digamos entre a enfermeira, "El Negro", eu e a "Monona" (a cozinheira) e só aí chegou a ambulância. Agora estão procedendo. Mas não nos dizem como está a situação. Eu saí e eles não me falam nada", reclamou ao neurocirurgião.
O PSICÓLOGO
Carlos Ángel "Charly" Díaz tinha um papel sumamente importante nas decisões tomadas a nível médico. Trabalhava ombro a ombro com a psiquiatra Agustina Cosachov e o neurocirurgião Leopoldo Luque.
A MÉDICA
Nancy Edith Forlini foi a médica que chefiou a internação de Maradona, uma vez que trabalhava como coordenadora do grupo de médicos que atendeu o craque na clínica Swiss Medical e, posteriormente, o tratamento de internação domiciliar para o qual foi enviado logo após a cirurgia. Ela advertiu, via mensagem de WhatsApp, em um grupo denominado "Tigre" (local da casa onde o craque estava em tratamento domiciliar), que era preciso chamar uma ambulância após o craque apresentar um quadro de vômito logo após ter comido camarão à provençal. No entanto, nenhuma emergência foi acionada.
O CHEFE DOS ENFERMEIROS
Mariano Perroni era o enfermeiro chefe que afirmou em seu depoimento ser o responsável por "cobrar a assiduidade de seus subordinados, solicitar relatórios sobre a troca da guarda e todos os assuntos relativos à organização administrativa de pessoal". Alegou ainda que "não tinha qualquer tipo de implicação em relação à saúde de Diego, já que não era responsável pelas indicações médicas ou por ir à casa realizar algum tipo de atividade de enfermagem".
A ENFERMEIRA
Dahiana Gisela Madrid era a enfermeira que trabalhava cuidando de Maradona durante o dia. Ela esteve na casa de Tigre no momento da morte do craque. Além disso, admitiu ter assinado uma declaração falsa de que havia estado às 6 da manhã do dia 25 de novembro, dia do falecimento, e ter tentado tratá-lo, mas que não obteve colaboração do paciente. "Fiz um laudo na casa do Maradona, depois de ter dado declaração junto ao Ministério Público porque foi o que Mariano (Perroni), chefe da junta de enfermeiros, disse para eu fazer. Eu disse que tentei medir seus sinais vitais e ele não deixou, mas a verdade é que isso não aconteceu", disse ela em declaração à Justiça.
O ENCARREGADO DA NOITE
Ricardo Omar Almirón era o enfermeiro que trabalhava no turno da noite. Segundo apurou a agência Télam, Ricardo Almirón disse que "desde o início percebeu que Maradona estava com taquicardia, uma frequência cardíaca superior a 100 em todos os momentos. Explicou que deixou tudo isso anotado nos relatórios de seu turno, além de ter alertado as autoridades médicas, Forlini e Cosachov, e que não teve resposta de nenhuma delas".
O ELEMENTO SURPRESA
Matías Morla, advogado e ex-representante de Maradona, não faz parte da lista de indiciados, mas é um dos elementos suspeitos na trama que envolve a morte do camisa 10. Em entrevista ao jornal La Nación, ele declarou que "Maradona não precisava de um advogado, mas de uma família". É pública a má relação que ele tem com Dalma e Gianinna, filhas do craque. Para elas, o ex-representante blindava a aproximação de familiares e amigos. "O Diego faleceu por um problema estritamente médico, mas tanto Dalma quanto Gianinna querem me envolver. Sempre fiz de tudo para que ele vivesse melhor, não para que morresse", disse Morla em entrevista ao jornal La Nación em maio.