Zico diz temer mais o Uruguai do que Argentina na Copa

Autor: Da Redação,
segunda-feira, 05/05/2014
Zico diz temer mais o Uruguai do que Argentina na Copa


Um dos grandes craques do futebol brasileiro dos anos 70 e 80, Zico tem larga experiência internacional como técnico e ex-atleta, e conhece bem as 32 seleções que vão disputar o Mundial. Nesta entrevista exclusiva ao jornal O Estado de S. Paulo, ele fala sobre a Copa, analisa o momento de Neymar e diz temer mais o Uruguai do que a Argentina, assim como aposta no Brasil como favorito ao título.

Estadão - Como analisa os altos e baixos do Neymar no Barcelona?

Zico - Eu não gostei da saída dele (para o Barcelona), mas entendi perfeitamente. Tem o período de adaptação, às vezes parece que contratam você e não veem os jogos em que você atuou. O cara é fera sempre pelo lado esquerdo, não vai colocá-lo no meio ou lá pela direita. Acha que porque o cara é bom tem de saber jogar em tudo que é posição do campo? Quem é do futebol sabe que se você atua por uma faixa de campo, que é melhor ali, não tem de modificar. A visão periférica da gente é uma quando está num lugar e é outra quando está em outro lugar. Você joga o ano inteiro assim e, de repente, querem que você jogue... Pode até jogar bem, porque você sabe jogar bem, mas vai ter mais dificuldade de movimentação, de condução de bola, de tudo.

Estadão - E como o vê na seleção?

Zico - Ano passado fui ver aquele primeiro jogo no Maracanã: Brasil x Inglaterra. Começa o jogo, Hulk na esquerda, Neymar no meio, Oscar lá na direita. Eu pensei: alguma coisa está errada. E foi aquela merda. Não é possível que os caras, que são pessoas tão gabaritadas... Tudo bem, quer fazer experiência, é um jogo que não vale nada, vamos então testar ali. Mas, se você está formando a seleção e o Neymar passou o ano inteiro jogando aqui, o Hulk passou o ano inteiro jogando aqui, e o Oscar passou o ano inteiro jogando aqui, por que na seleção você vai trocar os três? Aí testa, testa, não dá certo. Aí troca e dá certo. É uma coisa simples pra cacete. Aí os caras arrebentam, porque o cara está acostumado a fazer isso. Não adianta querer mudar. Isso aí é numa emergência que pode acontecer. Todo mundo fala que zagueiro tem de jogar no lado esquerdo e outro pelo lado direito, porque é diferente você jogar por um lado ou por outro. Não é todo mundo que sabe, não. Tem uns que jogam nos dois lados tranquilamente, e tem outros que só jogam de um lado, porque o sistema de cobertura é diferente.

Estadão - Essa inconstância tática afeta então o rendimento do Neymar no Barcelona...

Zico - Eu acho que sim. Mas o Neymar tem uma vantagem para a seleção: vai jogar a primeira Copa do Mundo, e o que tem de bagagem para esta Copa do Mundo é uma coisa que ninguém teve. É um jogador que jogou Olimpíada, Copa América, Copa das Confederações, Liga dos Campeões, Libertadores, Mundial de Clubes... Ora, são seis das principais competições do planeta. Então o cara chega completamente maduro para jogar. Nem Copa América eu joguei quando fui jogar meu primeiro Mundial!

Estadão - Existe mesmo essa história de ter de passar pelo primeiro jogo?

Zico - Existe, existe. É o jogo em que ninguém arrisca nada, porque o cara sabe que tem mais dois pela frente para decidir. Você não precisa arriscar. O Brasil sempre teve dificuldade quando joga a primeira. Em 2010, venceu a Coreia do Norte por 2 a 1, por exemplo.

Estadão - A estreia vai ser contra a Croácia...

Zico - O Brasil deu uma sorte danada. Pegou dois adversários de repescagem e um africano caindo pelas tabelas, que já não representa muito as safras dos grandes jogadores africanos. Camarões já foi forte, mas acho que hoje está bem abaixo de Costa do Marfim, de Burkina Faso, de Zâmbia. A Croácia já não joga com seu artilheiro (Mandzukic, do Bayern, está suspenso). O Modric é um bom jogador, mas acho que não faz a diferença. O México, numa Copa do Mundo, não tem bagagem para enfrentar o Brasil - mas acho que pode passar, pelo que está jogando e por ser aqui na América do Sul. Então acho que o Brasil pegou um grupo para passar bem nessa fase, de mais valor emocional, e entrar bem na outra, contra Holanda ou Espanha.

Estadão - A Copa para o Brasil começa nas oitavas?

Zico - Pra valer, começa nas oitavas. No dia 28 (se for primeiro do Grupo A) ou no dia 29 (se for o segundo).

Estadão - O Brasil tem mais dois amistosos, contra seleções que a comissão técnica chama de "escolas parecidas" com as do grupo na Copa. Serve como preparação?

Zico - Serve. O Panamá quase complicou o México na Concacaf, e desse grupo da América Central talvez tenha sido quem mais incomodou. E Sérvia, sem dúvida. Eu, particularmente, gosto mais da Sérvia do que da Croácia. O problema é que eles estão se despedaçando lá, porque tinha tudo para ser uma seleção forte pra caramba. Imagina você juntar Sérvia, Bósnia, Croácia...

Estadão - Acha que a Bósnia vem bem?

Zico - Vem, vem. É uma seleção dura, muito forte. A Bósnia tem um dos melhores jogadores do mundo, que é o cara que joga no Manchester City (Dzeko). Eu tive um jogador da Bósnia que estava lá no CSKA, um volante (Elvir Rahimic), muito bom jogador. Os caras são muito altos, muito fortes, marcam muito bem. Não deve apresentar um grande futebol, mas é uma seleção complicada.

Estadão - Como você avalia a Espanha de 2012 e a de hoje?

Zico - A Espanha tinha artilheiro, agora não tem. Tinha os caras que preparavam e os que guardavam. Pra mim, o melhor atacante ainda é o Villa.

Estadão - Então você considera que houve uma queda?

Zico - Houve uma queda nesse sentido. E perdeu um jogador que vestia a camisa mesmo e que acho que dava muito vigor ao espírito de equipe, que é o Puyol. Pra achar um cara com o espírito dele no Barcelona e na Espanha é difícil. Ele está fazendo muita falta hoje. E falta aquele cara na frente. O Torres estava muito bem, tinha o Villa que também estava muito bem. Hoje o Villa está voltando, tem o Diego Costa... É uma pena que ele ainda não jogou muito ali (na seleção).

Estadão - O Piqué também não está muito bem no Barcelona...

Zico - É, mas você vê a falta que ele faz naquela defesa. O Mascherano nunca foi zagueiro. Aquilo lá está uma avenida!

Estadão - Como você vê a Argentina?

Zico - Como a grande rival do Brasil para esta Copa porque hoje a Argentina entendeu que precisa jogar para o Messi para o time se dar bem, mesmo tendo bons jogadores. Quando você faz o jogo girar em cima do grande jogador, a possibilidade de sucesso é maior. A Argentina não se preocupava em fazer o jogo para o Messi por ter essa grande quantidade de bons jogadores. O que eu vi nas Eliminatórias foi isso, o time todo fazendo como o Barcelona fez, jogando em função dele. Não que o time dependesse só dele, mas jogando mais em função dele do que jogava antes.

Estadão - O Brasil poderia fazer isso em relação ao Neymar?

Zico - Acho que não, porque a Argentina depende mais. O Brasil tem um sistema de jogo mais compacto. A defesa da Argentina se abre muito, pelas características dos jogadores que ela tem do meio para frente ela é obrigada a se abrir.


Estadão - Você falou que a Argentina é a grande rival. A tendência é no final afunilar para isso aí...

Zico - Eu, particularmente, preferia enfrentar a Argentina na final. Não o Uruguai.

Estadão - Por quê?

Zico - Porque eu acho que o Uruguai pode ser a única seleção que pode abalar psicologicamente a seleção brasileira. Aí fica aquela coisa "agora é obrigação ganhar", e isso pode desestabilizar, porque vai ter muita gente falando de 1950.


Estadão - Mas como isso desestabiliza? Jogador erra passe bobo?

Zico - Isso, isso aí. Insegurança, o cara fica inseguro de realizar alguma coisa, ou então quer realizar de qualquer maneira. Igual quando você pega um time fraco e pensa que uma hora vai sair o gol, e o gol não sai, você começa a se desesperar, aí você faz com rapidez, erra, erra, fica com medo de errar de novo, já não faz com confiança. E acho que o Uruguai, além de ser um grande time, com jogadores todos atuando fora e com um grande ataque, com Suárez, Cavani, o próprio Forlán, acho que pode usufruir disso.

Estadão - Você torceria para o Brasil não enfrentar o Uruguai, então?

Zico - Torceria para o Uruguai sair logo na primeira fase. Sinceramente. Na Copa das Confederações falei que o nosso pior adversário ia ser o Uruguai. Foi o único time que não deixou o Brasil marcar em cima.


Estadão - Quais seriam os favoritos?

Zico - Não acredito em time europeu aqui. Os caras não se sentem soltos... Pode até um ir pra final, mas... Se o Falcao Garcia (contundido) estivesse na Colômbia bem como estava, eu acho que a Colômbia ia dar muito trabalho. O Chile pode dar trabalho aqui. É o tal negócio, assim como os europeus jogam mais à vontade lá, os sul-americanos jogam aqui.

Estadão - Mas é por causa do clima, da atmosfera?

Zico - É todo um ambiente. Dos europeus eu ainda acredito mais na Itália. O jogador italiano se transforma numa competição oficial. Gostei muito de vê-la na Copa das Confederações, e olha que ela estava um bagaço, eles estavam mortos. Na Copa do Mundo não vai ser assim, vão chegar aqui fresquinhos. A Alemanha tem uma ótima seleção também, tem uma experiência boa da última Copa, aquela base. Quem estava jogando muito bem era a Bélgica. E é uma seleção que pode cair no gosto do brasileiro.

Estadão - E a Holanda?

Zico - A Holanda está jogando um futebol que eu não gosto, que não me lembra um futebol agradável de se ver.

Estadão - Prefere nas oitavas Espanha ou Holanda?

Zico - A Holanda. Não está uma seleção que imponha respeito. Eu vi um jogo com o Japão, e o Japão deu um passeio (2 a 2, após a Holanda abrir 2 a 0, em novembro). Mesmo sendo amistoso, não era para ser o que foi. Nos jogos eliminatórios ela deu sorte que caiu num grupo fácil, ganhou de todo mundo. Mas os jogadores holandeses não estão bem, o Van Persie não está legal, o Sneijder no Galatasaray não está legal... Não estou vendo a Holanda para fazer uma Copa como fez em 2010.

Estadão - E Portugal?

Zico - Tem o Cristiano Ronaldo passando por uma grande fase, e esse sim pode fazer a diferença. É o momento dele, e isso faz crescer os outros. O cara está numa fase de ouro? Bola nele!

Estadão - Quem pode ir mais longe do que o esperado?

Zico - O Japão, porque caiu numa chave (Grupo C, com Colômbia, Costa do Marfim e Grécia) que tem quatro seleções que nunca fizeram nada em Copa do Mundo. A Colômbia está sem o Falcao, a Grécia é um futebol horroroso, Costa do Marfim jogando um futebol que não convence...


Estadão - De fato, o futebol africano, que era promissor há 20 anos, não tem vingado.

Zico - O que aconteceu: numa Copa apareceu Camarões, na outra apareceu Nigéria, depois apareceu Senegal, depois Gana... Não tem uma que repete, que tem se mantido. Não dá para apostar. Por isso que eu acredito no Japão.

Estadão - E tem a questão que o brasileiro gosta do japonês.

Zico - Ah, claro. Você viu aqui contra a Itália, na Copa das Confederações (vitória italiana por 4 a 3). Foi uma febre! O que o Japão jogou naquele jogo! Mas o Japão ainda peca no lado psicológico. Ainda é um time que se está ganhando por 3 a 0 e toma um gol, pode acabar perdendo por 4 a 3. Dá um branco em dez minutos que você não tem ideia...

Estadão - Deixando o Felipão de fora: qual o melhor treinador desses que vêm pra Copa?

Zico - O do Japão (o italiano Alberto Zaccheroni), gosto muito do trabalho dele. O Capello, da Rússia. O Joachim Löw, da Alemanha. Gosto do Óscar Tábarez, do Uruguai. E do Del Bosque (Espanha).