Juventudes perdidas ganham destaque no Festival de Cannes

Autor: Da Redação,
domingo, 15/05/2011
Lynne Ramsay posa para fotógrafos em Cannes

A seleção do 64º Festival de Cannes tem demonstrado muita preocupação com a juventude de nossos dias. Força represada capaz de causar um massacre em We need to talk about Kevin, da escocesa Lynne Ramsay, ou suscetível a um tipo de niilismo que leva à prostituição em Sleeping beauty, da australiana Julia Leigh, ou ainda vítima de todo tipo de abuso familiar em Polisse, da francesa Maïwenn, atrações dos primeiros dias da maratona, ela surge ameaçada por criminosos sexuais em Michael, do austríaco Markus Schleinzer, e abandonada em Le gamin au vélo, dos irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, exibidos ontem na competição da maratona francesa.

Pupilo do conterrâneo Michael Haneke (A professora de piano, A fita branca), para quem já trabalhou como diretor de elenco, Schleinzer compartilha da visão sombria da sociedade moderna com o seu mestre. Michael descreve os últimos cinco meses de convivência forçada entre Michael (Michael Fuith), um burocrata de 35 anos, e Wolfgang (David Rauchenberger), um menino de 10 anos de idade. O garoto, do qual nada se sabe sobre seus pais e em que circunstâncias foi raptado, é mantido preso em um quarto no porão da casa de Michael, ao alcance dos desejos sexuais de seu raptor.

O filme descreve o cotidiano do criminoso e o modo meticuloso com que ele segue rotinas que garantem a discrição do que acontece por trás das cortinas eletrônicas das janelas de sua pequena fortaleza doméstica. A abordagem objetiva, meramente descritiva, minimiza qualquer tentativa de leitura moral sobre o criminoso. “A pedofilia é um dos maiores crimes da sociedade moderna, a ponto de o mais civilizado dos cidadãos, seguidor da lei, adoraria voltar à justiça medieval e desejar todo tipo de punição para o infrator”, explica Schleinzer, estreante na direção. “Michael é um filme sobre o criminoso, queria oferecer o ponto de vista dele sobre o o mundo dele”.

Le gamin au vélo relaciona abandono e desprezo à delinquência juvenil. Aos 12 anos de idade, o pequeno Cyril (Thomas Doret) não consegue superar o fato de que seu pai (Jérémie Renier) o deixou aos cuidados de um internato para menores. A revolta que o domina o torna cego à demonstração do afeto de uma cabeleireira local (Cécile de France), que se oferece para acolhe-lo em sua casa nos fins de semana. O filme devolve os manos belgas ao tema da relação pai e filho. “A sociedade faz do indivíduo uma estrela. Talvez seja uma reação a isso que nos faz continuar voltando à noção de uma ligação com o berço da família. Mesmo que esta não seja biológica”, diz Jean-Pierre, que tenta o tricampeonato em Cannes – os Dardenne já venceram com Rosetta (1999) e A criança (2005).