A dissonância de sinal entre o Fed (dove) e o Copom (hawk), nas respectivas comunicações do dia anterior sobre as decisões de política monetária, desgarrou o Ibovespa de ganhos que chegaram a superar 3% nos melhores momentos e também no fechamento desta quinta-feira, 2, em Nova York, no índice que concentra as ações de 'crescimento', o Nasdaq, mais sensível ao nível de juros americano. Aqui, a referência da B3 se manteve em baixa na maior parte da sessão, após ter beliscado os 112.943,15 na máxima do dia, pela manhã, em avanço de cerca de 870 pontos ante o fechamento de ontem.
Se, nos minutos iniciais da sessão, o Ibovespa buscou máxima perto dos 113 mil pontos, passou a renovar mínimas a partir das 16h22, chegando a ceder, no pior momento, a linha dos 110 mil, no menor nível intradia desde 17 de janeiro. Assim, entre a mínima e a máxima de hoje, oscilou cerca de 3,2 mil pontos, atingindo no piso desta quinta-feira os 109.746,74.
No encerramento, o Ibovespa mostrava perda de 1,72%, aos 110.140,64 pontos, menor fechamento desde 16 de janeiro (109.212,66), saindo hoje de abertura aos 112.071,61 pontos. O giro financeiro ficou em R$ 30,3 bilhões, um pouco mais fraco do que o do dia anterior. No mês, em baixa nessas duas primeiras sessões de fevereiro, o Ibovespa acumula perda de 2,90%. Na semana, o Ibovespa cede 1,94%, reduzindo o ganho deste começo de ano a 0,37%.
As ações de Vale e Petrobras, que juntas correspondem a cerca de 27% do índice, acentuaram perdas em direção à hora final dos negócios, recuando mais de 4,5% na sessão, em dia negativo para o petróleo e o minério de ferro. Com o desempenho ruim desta quinta-feira, Petrobras ON vira para o negativo no acumulado deste começo de ano (-1,89%), com Vale ON limitando o ganho de 2023 a 0,29%. Tanto Petrobras como Vale, assim como os grandes bancos, costumam concentrar o interesse do investidor estrangeiro, que vinha se mostrando comprador. Pelo peso conjunto na composição do índice, para onde essas ações vão, costumam carregar junto o Ibovespa.
"Todo o complexo de commodities, especialmente as metálicas, caiu forte hoje. Parece um pouco de refluxo da entrada intensa de estrangeiros nas últimas semanas, que parecem ter comprado ações de commodities aproveitando a reabertura da China, o que levou papéis como os de Vale, Gerdau e CSN Mineração a preços máximos do período recente. Há então uma realização desse movimento", diz Luiz Adriano Martinez, gestor de renda variável e sócio da Kilima Asset, para quem o ajuste desta quinta-feira derivou "mais de fluxo do que de fundamento", algo perceptível também no desempenho das ações de bancos, em alta apesar de números "não tão bons" do Santander, que abriu hoje a temporada de balanços das instituições financeiras.
Na ponta ganhadora do índice de referência da B3, destaque hoje para as companhias aéreas Gol (+13,12%) e Azul (+7,15%), beneficiadas pela apreciação do real frente ao dólar, em sessão na qual a moeda americana, no cômputo conjunto de Fed e Copom, chegou a ser negociada a R$ 4,94 na mínima do dia - no fechamento do segmento à vista, marcava R$ 5,0454, em baixa de 0,30%. O sinal oposto dos BCs trouxe descompressão ao câmbio, o que ofuscou hoje o efeito do aumento do querosene de aviação, da Petrobras, sobre as ações das aéreas.
No lado oposto do Ibovespa, BRF (-7,70%), CSN Mineração (-7,12%), Usiminas (-5,95%), Braskem (-5,67%) e CSN (-5,46%), além de Vale e Petrobras. O desempenho do setor de mineração e siderurgia refletiu na sessão a queda de 3,33% da commodity em Dalian, China, em dia marcado também por recuo do dólar ante o real.
Na B3, neste dia de ajuste aos sinais tanto do Fed como do Copom, o desempenho positivo dos grandes bancos à exceção de BB (ON -1,89%) - na largada da temporada de balanços trimestrais das instituições financeiras pelos números do Santander Brasil (Unit +0,18%) - foi o contraponto ao sinal negativo de outras ações de peso no Ibovespa, especialmente Vale (ON -4,62% no fechamento) e Petrobras (ON -4,74%, PN -4,63%).
No quadro mais amplo, ontem, após a decisão de política monetária do Federal Reserve, seu presidente "(Jerome) Powell passou mensagem mais 'dovish', suave, falando em expectativas de inflação ancoradas, o oposto do que tem acontecido aqui no Brasil, onde o BC endureceu o tom no comunicado do Copom (de ontem à noite) por conta de expectativas desancoradas", diz Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master.
Nos Estados Unidos, por outro lado, "a inflação está bem ancorada para dois, três anos adiante, convergindo para 2%", acrescenta o economista. "Powell falou também que não quer 'overtightening', ou seja, apertar demais a taxa de juros, embora tenha reconhecido que o processo de aumento não acabou, referindo-se à possibilidade de mais duas altas - a 'couple', conforme disse - para as próximas reuniões."
"Ao manter a Selic em 13,75% ao ano, o Copom mostrou ontem que o balanço de riscos ainda tem incerteza elevada. E que há possibilidade inclusive, num cenário de que a expectativa de desinflação em direção às metas não ocorra, de subir ainda a taxa de juros. Não é o cenário central, mas foi mais uma vez mencionado - acredito que para mostrar que o BC, como foi dito no texto, vai perseguir a convergência às metas do CMN (Conselho Monetário Nacional), e também trabalhar para ancorar as expectativas de longo prazo", diz Nicola Tingas, economista-chefe da Acrefi (Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento).