As declarações do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vieram como uma tempestade em céu azul nesta quinta-feira, 10, de forte apetite por risco em Nova York, onde os ganhos ficaram em 3,70% (Dow Jones), 5,54% (S&P 500) e 7,35% (Nasdaq), na esteira de leitura mais fraca do que o esperado para a inflação ao consumidor nos Estados Unidos em outubro, que pode abrir caminho para Federal Reserve mais ameno em dezembro. Aqui, na contramão do sentimento positivo no exterior, o Ibovespa fechou em queda de 3,35%, aos 109.775,46 pontos, após ter chegado a 108.516,46 pontos na mínima da sessão (-4,46%), em nível não visto desde o fim de setembro.
Em porcentual, o grau de ajuste durante a sessão chegou a superar os 3,78% do fechamento de 8 de setembro do ano passado, quando o presidente Jair Bolsonaro, naquele 7 de setembro, havia afirmado que não mais cumpriria decisões do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Nas mínimas do dia, o mergulho era mais profundo também do que o de 8 de março de 2021 (-3,98%), quando as ações contra o agora presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o que permitiu sua volta ao jogo político.
Hoje, afirmações de Lula sobre a necessidade de resgate da dívida social, rumores sobre a possibilidade de que o Bolsa Família (atual Auxílio Brasil) fique de vez fora do teto de gastos, comentários do futuro presidente sobre Petrobras e BNDES, e a indicação de que o vice eleito Geraldo Alckmin não deve ocupar ministério derrubaram a expectativa por comedimento na largada da próxima administração, ante situação fiscal, para 2023, que já era vista com reservas pelo mercado.
Os comentários de Lula foram fortes, mas não tudo. Mais cedo, os ativos brasileiros já refletiam grau maior de aversão ao risco fiscal, mas, em direção ao fim da tarde, a situação se deteriorou com a confirmação oficial de que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega estará envolvido, na equipe de transição, com a área de Planejamento e Orçamento. Assim, o que parecia ruim, ficou ainda pior aos olhos do mercado, com pressão observada também no câmbio e nos juros futuros.
"Por aqui, houve uma reprecificação do risco fiscal à medida que o novo governo começa a se posicionar e a se estruturar, especialmente no que diz respeito ao teto de gastos. Há muita cautela com a Bolsa neste momento de reprecificação do risco Brasil", diz Dennis Esteves, especialista de renda variável da Blue3.
O nível de fechamento da sessão de hoje, com giro financeiro muito reforçado, a R$ 55,4 bilhões, foi o menor desde o último 29 de setembro, então aos 107.664,35 pontos. Na semana, o Ibovespa acumula agora perda de 7,09%, por enquanto a caminho de seu pior intervalo desde outubro de 2021, quando cedeu 7,28% entre os dias 18 e 22 daquele mês. Em novembro, o índice da B3 cai agora 5,40%, limitando o avanço do ano a 4,73%.
Em outro desdobramento negativo para o dia, após três meses de deflação, a leitura a 0,59% para o IPCA de outubro, acima do que se esperava para o mês, contribui para reforçar a percepção de que o BC terá de manter a Selic elevada por mais tempo, em contexto ora agravado pela deterioração da perspectiva para a política fiscal, em viés ainda claramente expansionista.
A queda dos preços de ativos brasileiros hoje mostra que o mercado não está disposto a dar o benefício da dúvida ao futuro governo, afirma o economista-chefe da Ryo Asset, Gabriel de Barros. "Este início de governo está me parecendo muito semelhante ao de Liz Truss na Inglaterra, que propôs um pacote de expansão fiscal bastante grande e foi igualmente punido. O mercado está punindo tanto emergentes quanto avançados que apontam para uma trajetória de insustentabilidade fiscal", avalia Barros.
Refletindo a aversão ao risco fiscal no Brasil, o dólar à vista fechou em alta de 4,14%, a R$ 5,3966, com máxima na sessão a R$ 5,4148. Lá fora, o índice DXY, que contrapõe o dólar a uma cesta de referências como euro, iene e libra, operou ao longo do dia em direção contrária, em baixa de 2,10%, a 108,231 pontos no fim da tarde, por volta da hora de fechamento do câmbio por aqui. No exterior, prevaleceu hoje a percepção de que a inflação de outubro nos Estados Unidos abre caminho para que o Federal Reserve entregue um aumento de juros menor, de meio ponto porcentual, na última reunião do ano, em dezembro, o que estimulou o apetite por risco.
A dicotomia entre o controle dos gastos públicos e a expansão de despesas com programas sociais é falaciosa, avalia o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez. "Dicotomia entre gastos sociais e instrumentos de controle fiscal não tem conexão direta, como ele (Lula) impôs. Isso acabou sugerindo que, mesmo sem ter recurso, sem diminuir outros gastos, haverá expansão (de despesas) no governo dele", diz Sanchez.
"O cenário hoje ficou bastante turbulento, após uma aceitação a princípio melhor do que se esperava para o resultado das eleições, especialmente com o Geraldo Alckmin como líder da equipe de transição. A piora veio com os ruídos sobre a PEC de Transição e o risco fiscal", diz Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research. "A ideia de tirar o Auxílio Brasil do teto de gastos, o que abriria recursos para promessas de campanha, não está sendo bem-vista pelo mercado. A partir do momento em que se coloca o programa social fora do teto, abre brechas pela frente", acrescenta.
Pela manhã, o IPCA de outubro trouxe uma quebra na sequência de deflação no intervalo de julho a setembro. "O índice de difusão continua superior a 60%, talvez ainda acima do esperado, e os núcleos ainda apresentam sentido altista para a inflação, talvez mais alta do que o projetado para 2022", diz a economista Ariane Benedito, especialista em mercado de capitais.
Nesse contexto desafiador, o Ibovespa operou nesta quinta-feira nos menores níveis intradia desde 30 de setembro, com poucas blue chips, como Vale (ON +1,91%), escapando à correção. Os grandes bancos cederam até 3,49% (Unit do Santander) e as perdas em Petrobras ficaram entre 1,23% (ON) e 2,90% (PN) no fechamento.
Na ponta ganhadora do Ibovespa, além de Vale e CSN Mineração (+2,77%), destaque também para Suzano (+2,29%), Embraer (+0,75%) e Klabin (+0,71%) - apenas seis papéis da carteira teórica conseguiram fechar o dia em alta. No lado oposto, Azul (-17,83%), Yduqs (-13,92%), Hapvida (-13,67%) e CVC (-13,33%).