Em recuperação ante as perdas da abertura da semana, o Ibovespa refletiu nesta terça-feira a preferência do mercado por olhar para frente, animado pelos sinais preliminares de entrosamento entre governo e Congresso sobre a necessidade de ajuste fiscal, com iniciativas como a reforma administrativa, cujo encaminhamento foi prometido nesta terça-feira para esta quinta-feira. Ainda que a matéria, complexa, requeira longa tramitação, a indicação dada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de que não está falando "sozinho", e de que o governo terá base no Congresso para levar adiante o que for preciso, contribuiu para recuperar os preços dos ativos brasileiros, com dólar em baixa e desinclinação da curva de juros na sessão.
Assim, o principal índice da B3 recuperou a linha de 102 mil pontos no fechamento e na máxima, então aos 102.237,93 pontos, em alta de 2,89%, saindo de mínima na abertura aos 99.382,02 pontos, após ter encerrado o dia anterior no ponto inferior da sessão, em queda de 2,72%, abaixo dos 100 mil pontos (99.369,15).
Nesta terça-feira, o Ibovespa fechou em alta de 2,82%, aos 102.167,65 pontos, a maior desde 8 de junho (3,18%), com giro financeiro nesta terça a R$ 26,7 bilhões. Nesta abertura de setembro, o Ibovespa acumula perda de 11,65% no ano, em leve alta de 0,02% no agregado da semana.
"O dia positivo lá fora ajudou, e ontem a queda foi exagerada aqui, com a preocupação fiscal. O posicionamento do governo sobre a reforma administrativa agradou, o que botou as ações praticamente na mesma direção hoje, em alta generalizada, à exceção das que se ajustaram à queda do dólar", observa Rafael Bevilacqua, estrategista-chefe da Levante.
Reforçando o viés da sessão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a Casa deverá avaliar com calma a medida provisória que o governo irá editar para prorrogar e alterar o valor do auxílio emergencial, como anunciado nesta terça pelo presidente Jair Bolsonaro. "Devemos trabalhar essa medida provisória com todo cuidado para que a gente possa atender de fato os mais vulneráveis sem dar uma sinalização de descontrole na administração da dívida pública brasileira", comentou.
"O governo tem prometido uma série de iniciativas que, quando chega o dia, não se vê. Mas o mercado acreditou e está contando com pacificação entre governo e Congresso, algo que não é tão plausível assim", diz Rafael Leão, economista-chefe da Parallaxis Economics, acrescentando que a reforma administrativa é matéria "aguerrida" e que, apesar de positiva para a responsabilidade fiscal, não tem efeito imediato sobre o nível de atividade.
Para 2020, Leão projeta retração de 6,8% para o PIB, com recuperação discreta em 2021, quando deve avançar 2,9%. "O momento é de carteira balanceada, sem se deixar levar muito pelas emoções", tendo em vista a situação ainda difícil, observa o economista.
Amparado também pelo desempenho positivo em Nova York, o movimento do dia anterior foi espelhado nesta terça, com sinal trocado: agora, ganhos generalizados por empresas e setores, à exceção de poucas ações, como Marfrig (-3,37%) e IRB (-2,24%), na ponta negativa do Ibovespa na sessão, enquanto Hering (+9,02%) e Hapvida (+6,58%) ocuparam o lado contrário.
Em movimento também oposto ao do dia anterior, a recuperação foi ampla em commodities (Petrobras ON +4,66% e Vale ON +3,49%), bancos (Santander +3,25%, Bradesco ON +3,10% e Itaú Unibanco PN +3,40%), siderurgia (Gerdau PN +4,77% e Usiminas +5,02%) e utilities (Eletrobras ON +2,79%).
A retração de 9,7% do PIB no segundo trimestre, a pior da série histórica que retrocede a 1996, ficou em segundo plano ao longo da sessão, mesmo com a revisão, para baixo, da leitura do primeiro trimestre, em estrago pior do que o antecipado pelo mercado.
Para William Teixeira, head de renda variável da Messem Investimentos, a leitura "deixará algumas sequelas, principalmente no mercado de trabalho, mas esperamos a economia com resultado um pouco melhor nos três meses subsequentes", citando em especial a manutenção de auxílio emergencial, agora a R$ 300, até o fim do ano.
Para Vitor Vidal, economista da XP, "o desafio daqui em diante será mensurar em qual ritmo os auxílios para as famílias e empresas impactarão diretamente a atividade econômica neste segundo semestre e entender, principalmente, como se comportará o mercado de trabalho brasileiro ao passo que a pandemia começar a ceder". Em nota, a XP manteve a projeção de PIB para 2020 em -4,8% e para 2021 em +3,0%.