Governo consegue driblar STF e cria nova lista do trabalho escravo

Autor: Da Redação,
segunda-feira, 06/04/2015
Lista tornada ineficaz traz várias oficinas de costura baseadas em São Paulo - Reprodução/BBC

Depois de três meses suspensa por decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), a chamada "lista suja" do trabalho escravo deverá voltar a ser publicada nesta segunda-feira, após uma manobra do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH).

Na semana passada, o Ministério e a Secretaria assinaram uma nova Portaria Interministerial que atualiza as regras para a publicação da lista, tornando ineficaz a anterior, que foi afetada pela liminar do STF.

A lista é considerada um dos principais instrumentos de combate ao trabalho escravo no Brasil, e um modelo para outros países. A partir dela, empresas e bancos públicos podem negar crédito, empréstimos e contratos a fazendeiros e empresários que usam trabalho análogo ao escravo. O ministro do Supremo Ricardo Lewandowski – que, em dezembro de 2014, decidiu sozinho pela suspensão imediata da lista durante o recesso de final de ano da corte – havia acatado um pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), organização que reúne algumas das principais empreiteiras do país. Entre as construtoras que fazem parte da associação estão Andrade Gutierrez, Moura Dubeux e Odebrecht, denunciada pelo Ministério Público do Trabalho por uso de trabalho escravo após reportagem da BBC Brasil.

A nova lista revelará, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), de 2011, cerca de 400 nomes de empregadores que foram flagrados por auditores fiscais usando trabalho análogo à escravidão e que tiveram suas infrações confirmadas pelo MTE desde dezembro de 2012. Segundo o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) do MTE, Alexandre Lyra, a ideia de assinar uma nova portaria foi inspirada em um pedido da ONG Repórter Brasil em janeiro de 2015, que invocou a LAI para "driblar" a decisão do Supremo e produzir uma nova lista suja. "Já falávamos sobre aperfeiçoar a portaria há uns dois anos por causa da LAI, mas não conseguíamos reunir as equipes para fazer isso", afirma Lyra.

"Talvez, se não tivéssemos sido alcançados pela liminar do Supremo, estivéssemos voltando nossa atenção para outras coisas. Mas o momento criou a oportunidade." Quando o trabalho é análogo à escravidão? Segundo o Código Penal Brasileiro, o trabalho análogo ao escravo é caracterizado pelos seguintes elementos, que podem ser comprovados juntos ou isoladamente: Condições degradantes de trabalho, que coloquem em risco a saúde e a vida do trabalhador; Jornada exaustiva, em que o trabalhador é submetido a esforço excessivo ou sobrecarga de trabalho; Trabalho forçado, situação em que a pessoa é mantida no serviço através de fraudes, isolamento geográfico ou ameaça e violência; Servidão por dívida, situação em que a pessoa é forçada a contrair ilegalmente uma dívida que o obriga a trabalhar para pagá-la. Disputa com construtoras

A Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) da Abrainc pedia a suspensão da lista com base em críticas à Portaria Interministerial nº 2, de 2011, que determinava os critérios para a publicação dos nomes no site do MTE. A associação de empreiteiras afirma que a divulgação dos nomes deveria ser regulada por uma lei e causa efeitos negativos às empresas, que não teriam direito de defesa. "Ela (a fiscalização) simplesmente indica dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Com isso, as empresas não têm nem como se defender da acusação, pois a CLT, como sabido, não diz nada sobre trabalho em condições análogas à escravidão", afirmou Rubens Menin, o presidente da Abrainc, em nota à BBC Brasil. A Abrainc se refere ao fato de que é o Código Penal Brasileiro, no artigo 149, que caracteriza o trabalho análogo ao escravo.

O MTE, no entanto, instaura um processo administrativo, e não penal, a partir dos relatórios de seus fiscais. Em favor da lista, a Procuradoria-Geral da República (PGU) pediu a revogação da liminar do ministro Lewandowski, afirmando que os compromissos internacionais assinados pelo Brasil, com força de lei, obrigam o país a adotar medidas para combater a escravidão contemporânea. "Quem não deve, não teme. Se eles (associados da Abrainc) não devessem, não precisariam estar preocupados em aparecer na lista", afirmou à BBC Brasil o subprocurador-geral da República Oswaldo José Barbosa Silva. O Ministério do Trabalho diz deixar claro, na nova portaria, que as empresas só são incluídas na lista após terem o direito de defesa em duas instâncias no processo. "O Código Penal é uma referência para a gente, mas nossa competência é administrativo-trabalhista. A gente firma uma posição de que algo é trabalho análogo ao escravo com base na CLT e nos acordos que o Brasil ratificou. Pela lei, o auditor fiscal tem o dever de avaliar se há trabalho escravo", diz Alexandre Lyra. "Se falamos que naquela propriedade não havia condições mínimas de higiene, de segurança e de saúde, e que o fiscal teve que resgatar os trabalhadores, o empregador tem a possibilidade de se defender. Se ele não consegue, vai para a lista."

O MTE e a PGU também afirmam que a lista não obriga ninguém a punir os empregadores cujos nomes foram publicados, porque se trata apenas da divulgação de ações públicas. A Abrainc, no entanto, discorda. "Há inegável impacto na imagem das empresas e em todas as suas linhas de financiamento que são suspensas", diz Menin. O empresário afirmou ainda que os membros da Abrainc "repudiam, veementemente, o trabalho em condições análogas à escravidão". Menin é fundador e presidente da MRV Engenharia, a principal operadora do projeto Minha Casa, Minha Vida. A empresa já apareceu na lista suja quatro vezes e teve seu nome retirado mediante liminares. Em 2013, a MRV teve novos contratos de financiamento suspensos pela Caixa Econômica Federal por ter aparecido na lista. No mesmo ano, foi condenada pelo MPT a pagar R$ 6,7 milhões por trabalho escravo. Em nota à BBC Brasil, a MRV informou considerar que "as decisões do MPT não possuem carácter condenatório" e ressaltou que a empresa "segue rigorosamente as normas trabalhistas e condena com veemência qualquer prática que configure trabalho análogo ao escravo.

Fonte: BBC Brasil