A cada cinco pessoas que estão presas por ordem da Justiça Federal, quatro estão encarceradas provisoriamente, ou seja, ainda não têm qualquer condenação e aguardam o primeiro julgamento pelos crimes dos quais são acusadas.
Segundo dados divulgados ontem (23) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), das 2.646 pessoas privadas de liberdade pela Justiça Federal, 80,61% (2.133) nunca foram julgadas. Tais indivíduos estão presos por força de mandados de prisão temporários ou preventivos e não têm pena definida.
Se forem consideradas também as pessoas que já tiveram alguma condenação, em primeira ou segunda instâncias, mas que ainda aguardam o julgamento de recursos enquanto estão presas, o índice cresce para 91,83%.
Somente 8,16% (216) dos presos pela Justiça Federal cumprem pena definitiva, segundo o Banco Nacional de Monitoramento de Prisões 2.0 (BNMP 2.0), que é alimentado pelo CNJ com dados dos tribunais de todo o país.
“O dado é assustador”, avaliou o advogado criminalista Luís Henrique Machado, cujo mestrado pela Universidade Humboldt, em Berlim, teve como foco o tema das prisões preventivas. “Ainda existe uma cultura do encarceramento, a resistência de se aplicarem medidas diversas, aplicando-se logo de cara a medida mais grave, que é a prisão”, disse.
O índice de presos provisórios na Justiça Federal é cerca do dobro do registrado nas Justiças estaduais, que é de 40,40%, segundo dados preliminares do BNMP 2.0. Das 562.320 pessoas cadastradas como privadas de liberdade pela Justiça dos estados, 226.933 estão encarceradas de modo provisório. Tais números tendem a aumentar, pois quatro estados – Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul – ainda não completaram o cadastro de presos no sistema do CNJ.
O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Fernando Marcelo Mendes, ressaltou que é difícil comparar os dados, uma vez que o número absoluto de presos pela Justiça Federal é pequeno ante a população carcerária como um todo. Apesar de reconhecer o índice elevado de presos provisórios, Mendes disse que isso está relacionado às peculiaridades dos crimes federais, principalmente o tráfico internacional de drogas.
“São pessoas que chegam sem nenhum vínculo com o Brasil. É difícil você aplicar medida cautelar alternativa à prisão, porque elas não têm sequer onde ficar. Na grande maioria dos casos acabam respondendo ao processo presas”, disse Mendes. Ele destacou que quase metade dos presos provisórios pela Justiça Federal está em São Paulo, onde muitas vezes são flagrados com drogas no Aeroporto Internacional de Guarulhos.
Para o advogado Luís Henrique Machado, que atua em casos envolvendo políticos em Brasília, o alto índice de prisões provisórias na esfera federal pode estar relacionado também aos crimes de colarinho branco, que são de competência de juízes federais e enfrentam “grande intolerância” no conjunto da sociedade, o que pode resultar em uma maior resistência na aplicação de medidas alternativas e em um número maior de prisões desnecessárias ou abusivas. "A gente também não pode deixar de falar na Lava Jato e em outras operações do tipo", disse Machado.
O presidente da Ajufe discordou da afirmação de que juízes federais têm mais à aplicação de medidas alternativas à prisão. "Pelo contrário, a maioria dos réus na Justiça Federal responde aos processos em liberdade. Fica difícil avaliar sem esse dado, que não consta no levantamento do CNJ", afirmou Mendes.
Além do tráfico internacional de drogas e da corrupção e lavagem de dinheiro que afetam a União, é da competência da Justiça Federal julgar crimes como falsificação de moeda, disputas envolvendo direitos indígenas e graves violações de direitos humanos, entre outros.