Reconstrução envolve memória de Bento Rodrigues

Autor: Da Redação,
domingo, 05/11/2017

MARCELO LEITE, ENVIADO ESPECIAL

RIO DOCE, MG E REGÊNCIA, ES (FOLHAPRESS) - As 225 famílias que habitavam Bento Rodrigues (MG) estão espalhadas por imóveis alugados na cidade de Mariana enquanto aguardam a construção de uma nova vila. Isso só deve ocorrer em 2018, e a mudança terá de esperar até 2019.

O plano de ruas seguirá o mesmo traçado do velho Bento (usa-se o masculino na região para designar a localidade). O relevo do terreno adquirido pela Fundação Renova, porém, é bem mais acidentado que o original, hoje tomado por um lago.

A área de 375 hectares plantada com eucaliptos tem o nome de Lavoura. Como que para acentuar a falta de sorte dos futuros moradores, ela pegou fogo no final de outubro.

Reeditar o arruamento da vila foi escolha dos moradores para manter a vizinhança e algo da memória do vilarejo fundado no começo do século 18. Mas não será fácil, porque desapareceu para sempre o centro da vida social, na capela de São Bento.

Sobraram apenas as fundações, hoje protegida por uma enorme tenda, alguns objetos e fragmentos.

A Fundação Renova contratou a empresa Estilo Nacional para fazer o resgate desse material, que começou com oficinas de treinamento para a população local sobre como coletá-los.

Mais sorte tiveram outras três capelas, Mercês, Santo Antônio (Paracatu de Baixo) e Nossa Senhora da Conceição (Gesteira). Embora ainda estejam de pé, seu conteúdo foi retirado por causa do risco de saques.

Até agora, cerca de 2.300 peças foram recolhidas nos cerca de 100 km de córregos e rios afetados pela lama. Um memorial ou museu deverá ser construído, mas por ora permanecerão na reserva técnica, em Mariana. Há de tudo um pouco, de moedas a paramentos bordados com ponto de Paris, de papel de bala a roupas de anjos e garrafas de água benta. Do altar de madeira de São Bento há fragmentos para recompor um terço da obra.

"Qual o efeito da lama sobre a policromia?", pergunta Mara Fantini, especialista em restauração e conservação que coordena o trabalho de resgate cultural. "Não encontramos nenhuma referência bibliográfica. Só há história oral [na região]."

Sobre a pequena cama de espuma plástica repousa o Cristo com cerca de 30 cm. Cogitou-se que seria obra de Francisco Vieira Servas (1720-1811), contemporâneo de Aleijadinho, mas análises descartaram a hipótese. É um grande quebra-cabeças. Fantini pega na prateleira uma cabeça de madeira com olhos azuis e mostra como se encaixa na cabeça de uma Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, recolhida em Gesteira. "O caso foi tão excepcional que nós temos de construir tudo. Espero que não sirva de referência para mais ninguém."