Transformar lixo em esperança através da arte. Essa é a proposta da professora Ana Maria Humeniuk, de Apucarana (PR), que desenvolveu um projeto solidário voltado para vítimas de violência doméstica. Durante oficinas de arte, a docente incentiva os participantes a verem com outros olhos materiais que seriam descartados pela sociedade e, como consequência, dar uma nova identidade e utilidade para eles. Ana Maria vê no projeto uma forma de evidenciar que "existe vida atrás da violência".
Aos 60 anos, ela é professora de Português, Inglês, Redação e Literatura. Fora das salas de aula, Ana decidiu continuar colocando em prática seu dom com as pessoas e criou o projeto na área artística. Para elaborar a proposta, a apucaranense fez uma análise social e se atentou de que grande parte das mulheres, crianças e comunidade LGBTQIAPN+ são vítimas de violência. Uma semelhança entre todos, elencada pela professora, é a maquiagem. "Essas pessoas que usam maquiagem, elas estão fora do padrão social e são discriminadas ao ponto de sofrerem vários tipos de violência", explica.
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Diante disso, Ana Maria começou a recolher maquiagens, cremes hidratantes e spray de cabelo que seriam jogados no lixo por já terem sido usados. Itens que seriam descartados por lojas e farmácias, por estarem vencidos, também são coletados pela professora. Os produtos de beleza são transformados em tinta e utilizados para pintar pequenas placas de MDF, que também seriam jogadas fora por empresas de móveis. "Eu pego as maquiagens e misturo com os cremes, formando uma tinta. Passo tinta acrílica nas placas de madeira e os participantes do projeto as pintam. Depois disso, passo o spray de cabelo para fixar a arte", detalha.
O processo tem fundamento: transformar o lixo em uma coisa nova e significativa. "Quando sofremos violência, nós nos sentimos diminuídos, usados e fracos e pensamos que não servimos para mais nada na vida, assim como esses produtos que são jogados fora pelas profissionais, como cabeleireiras e maquiadoras, ou ainda pelas lojas porque venceu a validade. Então todo esse material que não servia para nada, que ia ser lixo, a partir deste momento, eu abro os olhos e faço eles [vítimas] perceberem que existe sim uma luz depois de se sentir um lixo. Existe sempre um escape. Existe sempre esperança", explica a professora sobre o intuito do projeto.
O uso da maquiagem na elaboração do projeto de arte também tem outro motivo. Para a professora, algumas meninas são ensinadas desde pequenas que precisam desses produtos de beleza para serem amadas. "A mulher é ensinada a pensar que não nasceu pronta, que ela precisa se enfeitar", frisa. "Mas então, chega na época do casamento, e ela não consegue ter uma boa relação com o marido. E essa mesma maquiagem então, que serviu para enfeitar, serve agora para cobrir os resquícios de uma noite mal dormida e os traços de uma violência física", completa Ana Maria.
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Durante a aplicação do projeto, que acontece em rodas de conversa com apoio de psicólogas e agentes da Delegacia da Mulher, a professora tenta "abrir os olhos das vítimas sobre a violência". "No meio da diversão, eu dou uma aula não tanto de arte, mas também de vida. Falo que a vida existe atrás do choro, atrás da violência. [...] Eu ensino como pintar, não o que pintar", conta Ana. Conforme a apucaranense, as vítimas aprendem a desenhar e pintar e criam oportunidades para começar a vender essas obras, conseguindo ter uma renda própria. "Porque quando a vítima sofre violência, ela sente que não existe um caminho lá na frente. Então entra a questão da autoestima, da dependência financeira. Às vezes, ela acaba agindo como se estivesse em uma prisão e que não conseguiria sair disso", lamenta.
Projeto na periferia
O projeto da professora Ana Maria Humeniuk é colocado em prática neste ano, em áreas urbanas periféricas de Apucarana, junto ao evento solidário "Sumatra, Resiste!". "A intenção é promover a cultura e a diversidade, além de levar informações relevantes e de utilidade pública para a população desses bairros, que nem sempre tem acesso", informa. Usualmente, o projeto de arte é voltado para mulheres, mas no último dia 7 de setembro, a proposta foi aplicada para cerca de 50 crianças e adolescentes moradores do bairro Residencial Sumatra.
"No projeto do Sumatra, crianças e adolescentes foram atendidos. Todos queriam pintar!", relembra a professora. "Falei de forma adequada sobre o assunto, falei sobre respeito entre as pessoas, entre a irmandade e preparei as crianças para serem futuros maridos e futuras esposas", ressalta. Para Ana, "não importa a idade"que as crianças são instruídas sobre o assunto, "importa apenas o sentimento e os frutos que ficam".
"Quero que a minha palavra seja espalhada e não tenho medo de que ela chegue a muitos quilômetros, porque ela é a certa. E se num projeto deste, eu conseguir meu objetivo de informação, diversão e educação na pratica, se eu conseguir duas pessoas que pensem positivamente sobre si próprias já vai ter valido a pena", finaliza a professora, com esperança.
Escrito por Ana Quimelo.