O Artigo 142 da Constituição Federal (CF) voltou à pauta após a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no último domingo (30). Grupos bolsonaristas passaram novamente a usar esse texto legal que trata do papel das Forças Armadas, argumentando que o trecho da Constituição abriria possibilidade de intervenção militar, com o Exército atuando como “poder moderador”. Advogado ouvido pela Tribuna afirma que há uma “interpretação equivocada” do artigo e que uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) acabou com qualquer dúvida sobre o assunto.
Nesta quarta-feira (2), apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) prometem uma mobilização em frente ao 30º Batalhão de Infantaria Mecanizado (BIMec), pedindo intervenção militar, tendo justamente esse artigo como base. Uma ato semelhante já foi realizado em março de 2021 em frente ao quartel, localizado na saída para Curitiba. Nesta terça-feira (1º), bolsonaristas chegaram a montar um acampamento em frente ao batalhão após a Polícia Rodoviária Federal (PRF) acabar com um protesto de caminhoneiros na BR-376.
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Segundo esse artigo da Constituição, as “Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
O advogado Aluísio Ferreira, mestre e doutorando em Direito de Apucarana, afirma que há desconhecimento sobre o artigo 142. Segundo ele, o debate sobre o tema já foi esclarecido pelo próprio STF em decisão do ministro Luiz Fux de 12 de junho de 2020, quando ele julgou a Ação Direta de Inconstitucional (ADI) 6.457, proposta pelo PDT.
“Na decisão, o ministro Luiz Fux declarou que os militares não exercem poder moderador em eventual conflito entre o Executivo, Legislativo e Judiciário. O artigo 142 afirma que as Forças Armadas podem ser chamadas apenas para garantir os poderes constitucionais vigentes. Por exemplo, o Exército poderia ser perfeitamente chamado para liberar as rodovias, que foram tomadas de maneira ilegal, afrontando a Constituição e os direitos das pessoas”, observa o advogado.
Aluísio Ferreira assinala que os movimentos que pedem a intervenção militar com base nesse trecho da Constituição têm “uma interpretação equivocada e míope” da lei. “É uma visão que está ultrapassada há 200 anos, porque o poder moderador existia apenas no Império em 1824. Isso não existe mais na Constituição Brasileira”, afirma o apucaranense.
O advogado lembra a decisão de Fux, que afirmou que qualquer intervenção das Forças Armadas “violaria a cláusula pétrea da separação de poderes”. “O ministro Fux diz textualmente que a ‘autoridade suprema’ sobre as Forças Armadas (...), por óbvio, não se sobrepõe à separação e à harmonia dos poderes, cujo funcionamento livre e independente fundamenta a democracia constitucional, no âmbito da qual nenhuma autoridade está acima das demais ou fora do alcance da Constituição’”, cita.
O advogado observa que os manifestantes que ocupam as rodovias, inclusive, podem ser enquadrados na Lei nº 14.197 de 2021, assinada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, que revogou a Lei de Segurança Nacional, e incluiu como crimes no Código Penal depor, por meio de violência ou grave ameaça, um governo legitimamente constituído. “No caso, o ex-presidente Lula foi eleito democraticamente nas urnas e bloquear as rodovias pode ser enquadrado nessa lei”, afirma o jurista de Apucarana.
Aluísio Ferreira observa que a Constituição Federal permite a livre expressão e os protestos pacíficos. “Os descontentes com os resultados das eleições podem protestar normalmente às margens das rodovias, usar camisetas, mas sem cometer crimes e atos de violência”, pondera.
Fernando Klein