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'Tornar caixa 2 crime não reduz corrupção', diz pesquisador

MARIO CESAR CARVALHO SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - É ingênuo e preguiçoso esperar que a criminalização do caixa dois de partidos vá reduzir a corrupção. Alaor Leite, doutorando em direito na Universidade Ludwing-Maimilians, em Munique, e autor dessa avalia

Da Redação

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Escrito por Da Redação
Publicado em 28.03.2017, 05:15:00 Editado em 28.03.2017, 05:15:11
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MARIO CESAR CARVALHO

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - É ingênuo e preguiçoso esperar que a criminalização do caixa dois de partidos vá reduzir a corrupção. Alaor Leite, doutorando em direito na Universidade Ludwing-Maimilians, em Munique, e autor dessa avaliação, não se alinha com os entusiastas das Dez Medidas contra a Corrupção.

Leite, que estuda com o alemão Claus Roxin, tido como um dos maiores criminalistas do mundo, organizou um livro sobre crime e política por considerar que a discussão brasileira sobre esses temas está repleta de equívocos e não tem eco no Congresso. À reportagem Leite diz que a anistia ao caixa dois tem um ardil, porque visa perdoar outros crimes, e obscurece o debate: "Enquanto não retirarmos de cena a discussão da anistia, não iremos discutir o essencial: como construir um sistema jurídico-eleitoral legítimo e eficiente?".

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Pergunta - Caixa dois é crime?

Alaor Leite - Manter um caixa dois significa estabelecer uma contabilidade não declarada aos órgãos competentes. Se essa conduta for praticada por instituição financeira, é em si criminosa. Se essa conduta for praticada por qualquer outra pessoa jurídica, como os partidos, ela não configura, por si só, crime. Evidentemente, a contabilidade paralela pode estar conectada a outros delitos, que possuem outros requisitos que devem ser provados. Possuir uma faca afiada não é crime em si. Ferir alguém com a faca, sim.

Pergunta - Quando ocorre o delito?

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Leite - O sujeito que possua o dever de declarar as contas eleitorais e acabe por omitir determinada conta -o caixa dois- na prestação de contas eleitorais pode cometer o delito de falsidade eleitoral, cuja pena pode chegar a três anos de reclusão. Esse delito nada tem a ver com corrupção. O caixa dois pode ser também configurar crime tributário ou pode estar destinado ao pagamento de vantagens indevidas a funcionários públicos com vistas a benefícios futuros, um meio clássico de corrupção. O caixa dois em um partido político, sem mais, não é crime autônomo.

Quer-se criminalizar o caixa dois como antessala da corrupção, mas as condutas não se confundem. Esse ponto deve ser debatido.

Perguntar - Criminalizar o caixa dois reduziria a corrupção?

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Leite - Acreditar que apenas a criminalização autônoma do caixa dois pode reduzir a corrupção é, sim, ingênuo e preguiçoso. A discussão deve ser muito mais ampla.

Pergunta - Por que o sr. chama de delirante a iniciativa dos políticos de anistiar o caixa dois?

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Leite - É, ao mesmo tempo, delirante e ardilosa. Delirante porque não se pode anistiar o que não existe, seria algo como uma herança de uma pessoa viva ou o assassinato de um morto. A anistia refere-se a fatos passados que configuravam crimes e que devem ser apagados, especialmente por razões nobres de estabelecimento de paz social. Veja-se o exemplo da possível anistia a integrantes dos grupos paramilitares na Colômbia. Comparemos, enrubescidos, esse caso com a tentativa de anistiar um delito inexistente. A discussão é ardilosa, pois pode ser que por trás dessa discussão esteja a abjeta tentativa de anistiar outros delitos bastante graves, como a corrupção. Enquanto não retirarmos de cena a discussão da anistia, não conseguiremos discutir o essencial: como construir um sistema jurídico-eleitoral legítimo e eficiente?

Pergunta - Por que o sr. critica a ideia de elevar penas para corrupção?

Leite - O aumento de penas para o crime de corrupção pressupõe um estudo esmerado de outros mecanismos que podem ser mais eficientes, menos gravosos e menos custosos para a sociedade. Não li esses estudos nos documentos oficiais, tampouco na exposição de motivos do projeto de lei 4850/16 [as Dez Medidas de Combate à Corrupção], que é lacônica e confusa. Os proponentes preferem grandiloquentes discursos à enunciação de argumentos.

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O sistema jurídico-eleitoral pode ser aperfeiçoado, especialmente com regras rígidas garantidoras da transparência das contas partidárias. Os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado, mas gozam de outra estatura se comparados a uma fábrica: eles representam a única via de consecução dos anseios democráticos da população. Quanto à pena da corrupção, ela pode chegar atualmente a 16 anos de prisão. O aumento de pena serviria apenas como um aumento no poder de barganha dos acusadores nos acordos de colaboração.

Pergunta - Como é a lei que a Espanha criou em 2015 para punir financiamento ilegal de partidos?

Leite - A criminalização se refere ao ato de financiar irregularmente partidos e não à manutenção, no interior do partido, de um caixa dois. O financiamento irregular é o polo ativo; o caixa dois, o polo passivo.

O mais interessante é perceber que o crime introduzido na Espanha possui elementos bastante restritos, se cotejados com aqueles que constam do projeto de lei das Dez Medidas, o que garante maior segurança jurídica. A lei penal veio acompanhada de alterações na esfera eleitoral, com a edição de uma lei de controle da atividade econômico-financeira dos partidos. Há enorme discussão científica a esse respeito na Espanha. Mas não se lê nada a esse respeito na justificativa do projeto que tramita no Congresso.

Pergunta - As leis internacionais podem inspirar o debate brasileiro?

Leite - Não há mercadoria pronta para ser desembaraçada em nossa alfândega. Precisamos observar as nossas especificidades, pois por essas bandas "cordiais", de fato, "a democracia não passou de um grande mal-entendido", para recordar Sérgio Buarque de Holanda. Contudo, um legislador consciencioso deve analisar os exemplos estrangeiros com humildade e atenção. A Alemanha lidou com graves casos de caixa dois eleitoral, como o do ex-chanceler Helmut Kohl, e desconhece um crime específico de caixa dois. Por que não estudar todos esses exemplos antes de propor uma isolacionista e histriônica salvação nacional? Os nossos proponentes ignoram o debate internacional. Também a ciência brasileira não foi consultada. Tais como estão, as propostas existentes manifestam inescapável contradição: ao ignorarem a discussão científica nacional e internacional, os proponentes privatizam o que deveria ser público, destilando o veneno que pretendem combater.

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