SANTARÉM E BELÉM, PA (FOLHAPRESS) - Apenas 20 dias após um acidente que deixou nove desaparecidos, outra embarcação naufragou no interior do Pará, no rio Xingu, com cerca de 70 passageiros a bordo, na noite de terça-feira (22).
Dez corpos foram encontrados, segundo o Corpo de Bombeiros, entre eles o de um bebê. Até quarta, 19 pessoas haviam sido resgatadas vivas.
O barco que afundou fazia transporte clandestino de passageiros, segundo a Arcon, autarquia do governo do Pará responsável por regular o transporte intermunicipal. O órgão diz que já havia notificado o dono do barco, após operação em junho, mas a situação não foi regularizada.
A Marinha afirma, em nota, que o barco tinha inscrição na Capitania dos Portos de Santarém, mas que mesmo assim deveria se regularizar no órgão estadual.
O naufrágio é uma tragédia anunciada, na opinião de pessoas que usam com frequência esse transporte na região --em geral, feito em embarcações sempre lotadas.
O barco-motor Capitão Ribeiro saiu de Santarém, na noite da segunda (21), e tinha como destino Vitória do Xingu (PA), por onde chegam os passageiros que vão a Altamira. A viagem dura cerca de 28 horas, segundo os bombeiros.
Em Porto de Moz, o barco recebeu 40 novos passageiros por volta das 18h de terça, segundo as autoridades.
O naufrágio ocorreu em Vila do Maruá, na região conhecida como Ponta Grande, a cerca de 40 km de Porto de Moz, por volta das 21h, quando o barco já havia percorrido mais de 350 quilômetros.
O barco pertence à empresa Almeida e Ribeiro Navegação LTDA, e o dono estava a bordo na hora do naufrágio. A reportagem não conseguiu contato com a empresa até as 21h desta quarta.
Rafael Batista diz que o pai, Sebastião Soares Batista, comandante da embarcação, é experiente e que o barco estava regular. "O sofrimento da minha família é muito grande, mas eu, minha mãe e meus irmãos, temos esperança de encontrar o nosso pai vivo", afirma.
O Corpo de Bombeiros montou uma operação com mergulhadores para localizar as vítimas, a Capitania dos Portos do Amapá enviou uma lancha ao local para as buscas e a Marinha deslocou um navio-patrulha para a área.
ANGÚSTIA
Porto de Moz, município mais próximo do ponto do naufrágio, parou diante do trabalho de busca das vítimas. "É uma cidade pequena. São 20 mil pessoas. Ou você conhece ou é familiar de alguém que embarcou. Está uma tristeza total", diz o comerciante Eduardo Fonseca, 38."Teve uma família em que todos morreram: pai, mãe e filho. Acabou a família."
Até a noite de quarta (23), 19 pessoas haviam sido resgatadas, dez corpos encontrados (entre eles, uma criança entre um e dois anos e um adolescente de cerca de 15) e havia cerca de 40 desaparecidos, segundo os bombeiros.
Não havia confirmação do número exato de passageiros embarcados, e se a lotação estava acima da capacidade.
Professor de filosofia em Porto de Moz, Ulisses de Sousa, 40, diz que usou o barco há três semanas. "Ele sempre veio muito cheio de gente. Como não há uma fiscalização muito rigorosa por essas bandas, eles mandam acima do previsto. A gente fica com muito medo de embarcar."
Professor de engenharia naval da UFPA, Hito Braga explica que na região do naufrágio, o rio tem 11 quilômetros de largura e há pouca sinalização.
Segundo Sousa, "o pessoal não costuma usar coletes salva-vidas, é como se fosse um enfeite, porque ninguém acha que vai acontecer".
A Marinha diz que autua barcos com excesso de passageiros, e que as multas podem variar entre R$ 80 e R$ 3.200. Não respondeu, no entanto, quantas autuações foram feitas neste ano.
"A Marinha faz o que pode, mas não pode estar em todos os locais ao mesmo tempo", diz Braga. "É preciso pensar em projetos maiores, ver os impactos das mudanças climáticas, por exemplo, para saber onde há ventos mais fortes que geram ondas maiores e podem causar tragédias."
O alerta é reforçado pelos casos seguidos. O naufrágio desta terça foi o segundo em 20 dias. Em 2 de agosto, uma colisão de um cargueiro contra um comboio de nove balsas entre as cidades de Óbidos e Oriximiná, no oeste do Estado, deixou nove mortos.
Para o coronel Augusto Lima, subcomandante geral do Corpo de Bombeiros Militar do Pará, para quem ainda pode haver sobreviventes, as características do Estado também reforçam o alerta.
"Os barcos são as nossas ruas. Tem barco-motor o dia todo passando, é muito comum. É como o trânsito de São Paulo, batidas acontecem. É muito grande o fluxo de navios, barco a motor, lancha. Não tem como não acontecer acidente", afirma.
Dois inquéritos -um administrativo e outro criminal- serão instaurados pela Marinha e pela Polícia Civil do Pará para apurar causas, circunstâncias e responsabilidades do acidente.
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