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Trechos de diário de Leonilson são revelados após 20 anos de segredo

SILAS MARTÍ SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Muitas vezes eu gostaria de saber escrever. Juntar as frases pra formar um livro." Leonilson não escreveu, mas deixou uma série de gravações como essa transcritas numa autobiografia mantida em segredo há quase dua

Da Redação

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Escrito por Da Redação
Publicado em 12.08.2017, 10:30:09 Editado em 12.08.2017, 10:30:09
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SILAS MARTÍ

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Muitas vezes eu gostaria de saber escrever. Juntar as frases pra formar um livro."

Leonilson não escreveu, mas deixou uma série de gravações como essa transcritas numa autobiografia mantida em segredo há quase duas décadas. O volume, numa rara fotocópia guardada por uma amiga do artista, ronda como fantasma o recém-lançado catálogo que lista a obra completa deste que foi um dos maiores nomes da arte do país no fim do século passado.

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Enquanto um livro elenca todos os dados de sua obra plástica, sua vida íntima continua escondida à sua revelia.

Numa das fitas cassete que deixou, ele contava que daria de presente as gravações a um amigo, para que transformasse suas confissões desarranjadas numa espécie de autobiografia autorizada.

Seis anos depois da morte de Leonilson, vitimado pela Aids, aos 36, em 1993, "Frescoe Ulisses" estava pronto, mas não foi publicado por um veto de seus herdeiros.

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Na época, o ato causou um racha entre os amigos do artista e sua família, que não queria expor a homossexualidade de Leonilson --o pivô da controvérsia eram trechos em que ele narrava um encontro com um soldado israelense no banheiro de um avião.

"Fiquei olhando pra ele e perguntei se ele achava estranho aquilo. Ele falou que não", contou o artista. "Eu passei a mão na barriga dele e ele já tava excitado. Ele é bem magro e pálido, mas tem um pau grande e bonito. Teve uma hora que ele caiu pra um canto da parede e ficou encostado e era uma imagem linda porque ele tinha aquele rosto lindo, aquele cabelo escorrido, os olhos profundos e aquele pau. Ele gozou rápido na pia e eu nem tinha gozado."

O episódio de poucos minutos se desdobra à exaustão em comentários do artista, que fantasia sobre o tal garoto página atrás de página, dando versões e desfechos distintos a um romance impossível.

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Mais do que uma aventura erótica, essas suas lembranças distorcidas revelam muito sobre a solidão que tanto atormentou Leonilson em vida e que transparece em sua obra. Nesse sentido, são os alicerces secretos do mundo quebrado, atravessado de paixões não correspondidas que arquitetou em milhares de pinturas, desenhos e bordados.

"Tá faltando alguém. A verdade é que eu ando pela casa e tá faltando um colchão de casal aqui", narra o artista. "Tá faltando alguém pra me dar uns beijinhos quando eu acordo. Tá faltando alguém pra me abraçar por trás, me beijar o pescoço e esfregar a língua na minha orelha, lamber o bico do meu peito e me jogar na cama."

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Uma parte bem menos direta e franca dessas gravações já embasou --com o aval da família-- dois documentários --um curta de Karen Harley lançado há duas décadas e "A Paixão de JL", que Carlos Nader estreou há dois anos.

Mas "Frescoe Ulisses" --o nome foi escolha do artista-- é um mergulho bem mais profundo em sua vida, dos momentos de glória, de viagens constantes a Nova York, Londres, Amsterdã e Paris, até a descoberta da doença que o mataria em pouco tempo.

ODISSEIA

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Editado por seu amigo Ricardo Ferreira Henrique, estudioso de literatura já morto e que havia se radicado em Berlim, o livro teve uma série de versões, algumas delas lidas pela irmã do artista, Ana Lenice Dias, a Nicinha, que não concordava com a edição.

Entre as exigências, reveladas pela correspondência entre Henrique e a artista Leda Catunda, que intermediou o contato com a família, estava cortar detalhes de seus encontros sexuais e trocar os nomes de seus amantes, parentes e amigos.

Todos eles, a não ser seus galeristas, aparecem na versão final como personagens da "Odisseia", de Homero. Mas não foram alterados nem apagados os --poucos, mas intensos-- relatos sobre sexo.

No rastro da publicação de seu catálogo completo, que lista suas 3.400 obras, a pressão vem aumentando para que saia também seu diário íntimo, algo que a família agora se inclina a autorizar.

"Uma hora vai ser publicado, é questão de tempo", diz o galerista Eduardo Brandão, que foi um dos melhores amigos do artista. "É uma farsa isso não estar no catálogo quando tanta gente estuda Leonilson. Esse livro é maior do que ele, fala de uma geração inteira, da dor de uma geração."

O momento da descoberta da Aids, aliás, coincide com um hiato nas gravações. Leonilson volta a falar só um mês depois do exame. Enquanto avança a doença, suas últimas páginas ficam mais secas, clínicas, uma contagem exasperante das células de defesa. Sua última frase foi "parece que levei uma surra".

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