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ATUALIZADA - Doria não fala, e secretário estima recolhimento forçado de 100 usuários

ARTUR RODRIGUES SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A gestão João Doria (PSDB) prevê que pode recolher compulsoriamente até 100 usuários de crack. A estimativa foi feita pelo secretário municipal da Saúde, Wilson Pollara, na manhã deste sábado (27), um dia depoi

Da Redação

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Escrito por Da Redação
Publicado em 27.05.2017, 14:50:08 Editado em 27.05.2017, 14:50:11
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ARTUR RODRIGUES

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A gestão João Doria (PSDB) prevê que pode recolher compulsoriamente até 100 usuários de crack. A estimativa foi feita pelo secretário municipal da Saúde, Wilson Pollara, na manhã deste sábado (27), um dia depois da Justiça autorizar a prática de condução coercitiva.

"Se consideramos que lá [na cracolândia] tem 600 pessoas, estou falando de 200 com problemas psiquiátricos, das quais de 80 a 100 vão precisar de uma condução coercitiva", disse Pollara.

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A solicitação da gestão Doria à Justiça foi feita às pressas nesta semana. Ela ocorreu após a desarticulada ação no último domingo (21), quando policiais civis e militares, ligados ao governo do Estado, prenderam traficantes e desobstruíram três vias tomadas havia anos por viciados.

O novo programa anticrack de Doria, porém, não estava pronto. Uma das promessas era o cadastramento prévio dos usuários, para que recebessem encaminhamentos corretos, como tratamento médico.

Sem isso, em meio a ações atabalhoadas e discursos oficiais dissonantes, o que se viu foram viciados espalhados pelas ruas e a formação de uma grande concentração deles na praça Princesa Isabel.

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O prefeito, no entanto, se recusou a falar sobre o assunto durante evento do programa de zeladores Cidade Linda, na Pompeia (zona oeste de SP).

A estimativa do secretário é feita com base em avaliação da prefeitura que mostra que apenas metade das pessoas com problema psiquiátrico aceita tratamento.

Pollara afirma que a avaliação inicial será feita por agentes de saúde com base em um protocolo estabelecido por psiquiatras. Caso se julgue necessário o recolhimento, isso será feito com uma ambulância. A pessoa será levada a um centro psicossocial, onde um psiquiatra vai avaliar se pede ou não à Justiça a internação compulsória.

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Uma reunião neste sábado na prefeitura irá definir quais os critérios para retirar à força uma pessoa da região da cracolândia. Isso somente poderá ser feito em ação conjunta de agentes de saúde, agentes sociais e integrantes da GCM, a Guarda Civil Metropolitana. Não se sabe ainda, por exemplo: haverá abordagem individual em meio a um grupo de dependentes, o que poderia provocar um confronto? O dependente químico que estiver em condições de ao menos dizer que não quer ser levado poderá ainda assim ser arrastado à força pelos guardas?

A decisão favorável à retirada de dependentes das ruas à força contraria parecer do Ministério Público e da Defensoria Pública, que entraram com pedidos na Justiça contra a solicitação do prefeito. Na última terça (23), quando a prefeitura encaminhou o pedido à Justiça, Anderson Pomini, secretário de Negócios Jurídicos, afirmou que a utilização da força seria a "última alternativa" para casos graves de dependência.

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Advogados consultados pela reportagem apontam que a medida de Doria não tem amparo legal.

Segundo Roberto Dias, professor de direito constitucional da Fundação Getulio Vargas, a internação compulsória é uma prisão disfarçada de tratamento clínico. "A pessoa só pode ser presa se cometer um crime. O usuário de drogas não é criminoso e está causando um mal só para si mesmo", diz.

Ainda de acordo com Dias, privar o usuário de liberdade em razão do vício poderia gerar outras implicações jurídicas no futuro. "A vítima teria todo o direito de entrar na Justiça com ações de reparação moral e financeira por conta de uma violação muita clara de seus direitos."

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Humberto Barrionuevo Fabretti, professor de direito penal do Mackenzie, vê outro problema. A prefeitura, segundo ele, não poderia, sozinha, ter feito esse pedido à Justiça. "Ela não tem obrigação legal de cuidar da saúde psíquica de seus cidadãos", disse. Para Fabretti, a medida foi um ato de desespero "para abafar a ação policial desastrosa na cracolândia", disse.

A saída, segundo Fabretti e Dias, seria construir uma nova política articulada entre os órgãos responsáveis por autorizar o melhor tipo de tratamento para os viciados em drogas, como Ministério Público e a Justiça.

O promotor da área da saúde, Arthur Pinto Filho, chegou a chegou a classificar o pedido de Doria como o "mais esdrúxulo que eu já viu em toda a carreira" e que a iniciativa, caso fosse aceita, promoveria "uma caçada humana".

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Duas das três clínicas indicadas à Justiça para receber os dependentes internados compulsoriamente nem oferecem o serviço de internação de usuários de drogas, segundo reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo". Uma delas estaria fechada há pelo menos três meses.

Antes de a decisão judicial sair, Geraldo Alckmin (PSDB), parceiro de Doria na operação da cracolândia, afirmou que não mudaria a estratégia de convencimento dos usuários a entrar no tratamento por vontade própria. O programa estadual de reabilitação, Recomeço, só faz internações à força com mandados judiciais acordados também com a Promotoria.

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"O Recomeço tem quatro anos e meio, internamos 13 mil pessoas. Só 28 foram compulsórios, com ponto de vista psiquiatra, aval do Ministério Público e da Defensoria. Não há nenhuma possibilidade do Recomeço sair desse rumo, que é traçado cientificamente", disse David Uip, secretário de Saúde de Alckmin.

CÓDIGO DE ÉTICA

O Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) já havia dito que o médico que realizasse o tipo de internação compulsória planejada por Doria poderia responder a procedimento no órgão.

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Na noite desta sexta, o conselho reiterou sua posição em uma nota divulgada com orientações aos psiquiatras sobre internações compulsórias, que, segundo o órgão, deve ser fundamentada minuciosa e individualmente e submetida à decisão judicial. "É absolutamente necessário que se observe que o ato médico da consulta psiquiátrica deve preceder a todo procedimento de hospitalização forçada", afirma.

"O Código de Ética Médica contém as normas que devem ser seguidas pelos médicos no exercício de sua profissão. A legislação garante ao profissional autonomia suficiente que lhe permita recusar-se a realizar atos médicos que sejam contrários aos ditames de sua consciência e ao melhor interesse da saúde de seu paciente", destaca.

O conselho diz que isso fere dois artigos do Código de Ética Médica. Um diz que é proibido "deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal". Outro veta "deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo".

Para o psiquiatra da Escola Paulista de Medicina Dartiu Xavier, que trata dependentes químicos há 28 anos, a intenção da prefeitura é uma "loucura do ponto de vista médico, para não falar na afronta aos direitos humanos".

O médico diz que 75% dos usuários de crack não são viciados e, dentre os que são, só 1% está psicótico, sem noção da realidade. Apenas nesses casos é recomendada a internação compulsória.

Segundo Xavier, a forma mais eficaz de tratamento são modelos ambulatoriais como Centros de Atenção Psicossocial. "A dependência não é indicação de internação compulsória, que é uma ação médica excepcional, nunca uma política de saúde", afirmou.

Ana Cecília Marques, coordenadora do conselho consultivo da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas, diz que esse tipo de intervenção só serve para casos em que há alta vulnerabilidade, risco de morte e dificuldade de decisão da própria vida. "Sou totalmente a favor, mas para esses casos, que são a minoria da minoria." Marques não vê problema sobre a decisão caber só ao agente de saúde da prefeitura. "Acho que é até melhor não ser um juiz quem define."

Davi Quintanilha, do núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública, diz que foi feito um pedido genérico de busca e apreensão de pessoas para realizar internações forçadas. "É totalmente ilegal. Tem que diferenciar emergência médica de internação."

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