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"Álbum de família" dos dinossauros pode ser diferente do imaginado

REINALDO JOSÉ LOPES SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Parece não haver quase nada em comum entre dois ícones da série "Jurassic Park", o Tyrannosaurus rex, monarca dos dinos carnívoros, e o chifrudo quadrúpede Triceratops, equivalente pré-histórico dos rinocer

Da Redação

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Escrito por Da Redação
Publicado em 24.03.2017, 18:56:00 Editado em 24.03.2017, 19:00:13
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REINALDO JOSÉ LOPES

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Parece não haver quase nada em comum entre dois ícones da série "Jurassic Park", o Tyrannosaurus rex, monarca dos dinos carnívoros, e o chifrudo quadrúpede Triceratops, equivalente pré-histórico dos rinocerontes e búfalos de hoje. Um novo estudo, porém, propõe uma ideia que quase poderia ser descrita como herética: ambos os monstros pertenceriam ao mesmo grande subgrupo de dinossauros.

A proposta acaba de ser publicada na revista científica britânica "Nature", uma das mais tradicionais do mundo, e tem provocado fortes emoções (nem todas muito positivas) entre os cientistas que estudam a evolução dos dinos. Afinal de contas, como fazem questão de ressaltar os autores da hipótese –um trio da Universidade de Cambridge (Reino Unido) encabeçado por Matthew Baron–, ela derrubaria mais de cem anos de consenso científico a respeito do "álbum de família" desses bichos.

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Segundo esse consenso, que até hoje parecia sólido feito rocha, os dinossauros se dividem em dois grandes grupos. O primeiro seria o dos saurísquios, englobando o T. rex e os demais bípedes carnívoros, de um lado, conhecidos coletivamente como terópodes (as aves modernas estão nesse balaio); e, de outro, os grandes herbívoros pescoçudos, como os célebres brontossauros, que recebem o nome de sauropodomorfos. O segundo grande subgrupo corresponderia aos ornitísquios –criaturas como o Triceratops e o bípede herbívoro Iguanodon.

Mudar isso "é uma proposta completamente heterodoxa e radical", resume o paleontólogo Max Cardoso Langer, da USP de Ribeirão Preto. "Todo manual de paleontologia e todo livro sobre dinossauros feito para crianças que você pegar vão começar falando da divisão tradicional em dois grupos, e todas as análises feitas até hoje, por diferentes autores e com diferentes abordagens, deram o mesmo resultado."

Baron e seus colegas David Norman e Paul Barrett, porém, argumentam que muitos desses estudos não analisaram com o devido cuidado as formas mais primitivas dos grandes grupos de dinossauros, em especial os primeiros ornitísquios.

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Esses bichos mais antigos, do período Triássico (fase da história da Terra anterior ao Jurássico, entre 250 milhões e 200 milhões de anos atrás), tendem a apresentar aspecto mais genérico –vários são pequenos, bípedes e aparentemente comiam pequenos animais, por exemplo–, o que poderia, em tese, dificultar uma avaliação mais precisa sobre quem é parente de quem, afinal.

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Para tentar sanar isso, os britânicos decidiram realizar uma grande análise filogenética –ou seja, sobre relações de parentesco evolutivo– envolvendo 74 tipos diferentes de dinossauros, com ênfase nos mais primitivos.

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Tais análises se baseiam em programas de computador que registram e comparam um grande conjunto de características dos fósseis –no caso do estudo, 457 detalhes do esqueleto. É por meio dessa coleção de semelhanças e diferenças que os cientistas tentam determinar como um grupo de animais vai se diversificando ao longo do tempo, como uma árvore com galhos que estão mais próximos ou mais distantes entre si.

A comparação computacional apontou um conjunto de 21 características que são compartilhadas apenas por terópodes (como o T. rex) e ornitísquios (como o Triceratops). Para os autores do novo estudo, isso seria suficiente para classificá-los como "grupos-irmãos", que receberiam um novo nome conjunto, o de ornitoscélidos (termo que, na verdade, chegou a ser usado por naturalistas do século 19 até cair em desuso). Os pescoçudos sauropodomorfos ficariam isolados num grupo à parte, que teria se separado antes do ancestral comum dos outros dois subgrupos.

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De quebra, a análise indicaria também que os primeiros dinos teriam sido, de fato, bípedes de pequeno porte com dieta onívora (comendo pequenos vertebrados, insetos e plantas) e patas da frente capazes de agarrar objetos; e, finalmente, que eles teriam surgido no hemisfério Norte, nas atuais Europa e América do Norte, e não na América do Sul, como muita gente defende hoje.

CONTROVÉRSIA

Ao ser consultada pela Folha sobre sua opinião a respeito do trabalho, a paleontóloga Taissa Rodrigues, da Universidade Federal do Espírito Santo, fez questão de escrever "UAU!" (com letras maiúsculas mesmo).

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"Este é um dos raros casos de trabalhos que sairão das páginas das revistas científicas e entrarão nos livros escolares", diz ela. Ela destaca o uso de importantes fósseis brasileiros de dinos primitivos, como o Saturnalia e o Guaibasaurus, para balizar a análise na "Nature". Para Taissa, apesar de surpreendente, o resultado parece "sólido".

"Não diria que a proposta seja revolucionária", pondera Reinaldo José Bertini, paleobiólogo da Unesp de Rio Claro. "Anatomicamente, as formas basais [primitivas] de terópodes e ornitísquios são próximas." Para Bertini, no entanto, os pesquisadores poderiam ter analisado outras espécies primitivas de dinossauros, cuja presença teria o potencial de produzir outros resultados. "Não estou dizendo que a coisa foi tendenciosa, mas está faltando algo para que eu engula toda a proposta."

Max Langer explica que um elemento da diferenciação tradicional entre saurísquios e ornitísquios já não se sustentava. Trata-se da posição dos ossos da pelve, mais semelhante à de répteis no primeiro grupo e mais parecida com a das aves no segundo grupo. "Acontece que essa anatomia dos saurísquios, por ser a versão primitiva presente em outros grupos de animais, não servia mesmo para distingui-los."

Ele também aponta que estudos anteriores já mostravam semelhanças entre ornitísquios e terópodes primitivos. "De fato é uma possibilidade, não é uma coisa de louco. O grande problema é como essa nova análise foi conduzida", critica.

"Basicamente, de todos os fósseis que eles incluíram no estudo, eles devem ter visto, no máximo, a metade em observação direta. Não viram o material do Triássico do Rio Grande do Sul ou do Ischigualasto [importante jazida de fósseis da Argentina]", diz Langer. "É complicado fazer uma proposta destoante como essa sem uma análise robusta. Se deu um resultado desses, o mais adequado seria eles fazerem uma nova checagem, observarem mais material, conversarem com especialistas."

Para o pesquisador da USP, outro ponto questionável é a proposta de uma origem dos dinossauros no hemisfério Norte, já que a esmagadora maioria das espécies de dinos primitivos foi encontrada na América do Sul mesmo.

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