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Estudante que 'encarou' deputados do Paraná defende ocupações de escolas

ESTELITA HASS CARAZZAI CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) - O telefone de Ana Júlia Pires Ribeiro, 16, não para de tocar. A estudante de um colégio público do Paraná ganhou notoriedade nesta quarta (26), ao fazer discurso incisivo a deputados estaduais a favor das

Da Redação

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Escrito por Da Redação
Publicado em 27.10.2016, 20:19:53 Editado em 27.10.2016, 22:53:40
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ESTELITA HASS CARAZZAI

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CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) - O telefone de Ana Júlia Pires Ribeiro, 16, não para de tocar. A estudante de um colégio público do Paraná ganhou notoriedade nesta quarta (26), ao fazer discurso incisivo a deputados estaduais a favor das ocupações de escolas do Estado -são cerca de 700 unidades ocupadas em protesto contra a reforma nacional do ensino médio.

"É um insulto a nós que estamos lá, nos dedicando, procurando motivação todos os dias, sermos chamados de doutrinados", afirmou.

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"Nós não estamos lá de brincadeira. Nós sabemos pelo que estamos lutando."

Aluna de um colégio ocupado em Curitiba, ela criticou os deputados por estarem "com as mãos sujas de sangue", depois de um aluno ser morto a facadas por um colega numa ocupação na cidade, na última segunda (24).

O presidente da Assembleia, Ademar Traiano (PSDB), a interrompeu. Disse que não toleraria agressões a parlamentares. "Eu peço desculpas, mas o Estatuto da Criança e do Adolescente nos diz que a responsabilidade pelos nossos adolescentes e estudantes é da sociedade, da família e do Estado", respondeu Ana Júlia, ovacionada pelo público presente.

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Nesta quinta (27), Ana Júlia, filha de um advogado e de uma professora, deu entrevista à Folha de S.Paulo. Também falou com veículos de imprensa, nacionais e internacionais. Era abraçada por colegas e recebia as pessoas desabafando sobre o assédio: "Ai, meu Deus. Que loucura".

Na semana que vem, deve participar de uma reunião no Senado para debater a reforma do ensino médio -enviado pelo governo Michel Temer (PMDB) por meio de uma medida provisória.

Antes de falar à reportagem, poucas horas antes, havia recebido uma ligação do ex-presidente Lula. Ele disse ter se emocionado com o discurso da menina, que viralizou na internet.

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Folha - Desde quando sua escola está ocupada?

Ana Júlia Ribeiro - Faz duas semanas hoje [quinta]. A gente fez duas assembleias, uma sobre quais seriam os motivos, como funcionaria, e foi votado sim. Depois, fizemos uma segunda assembleia, reconfirmando o posicionamento. E o pessoal topou. A assembleia foi somente com os alunos. A decisão foi quase que unânime.

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Por que, na sua opinião, o movimento é legítimo?

A legalidade do movimento é bem clara para mim. A escola é nossa. E, se a gente está lutando por algo que é nosso, a gente pode ocupar. A gente está ocupando, e não invadindo. Estamos preservando o patrimônio. Temos oficinas, debates, roda de conversa, cine-debate, aulão, aula do conteúdo básico... De tudo um pouco.

Em seu discurso na Assembleia, você citou alguns artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente.

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Nós sabemos a importância de estarmos seguros em alguma coisa. Quando a gente fez o debate sobre a medida provisória [da reforma do ensino médio], nas assembleias, já falávamos disso.

A gente recebeu muitas cartilhas aqui, e muitas citavam o Estatuto da Criança e do Adolescente. Aí fui procurar lá. Consultei meu pai: "Isso aqui está certo? É o artigo 16?". Aí achei o inciso, que mostra que a participação na vida política é assegurada pelo ECA.

Qual sua principal oposição à reforma do ensino médio proposta pelo governo?

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A reforma é necessária, mas não do jeito que está sendo pautada. A gente precisa de uma reforma não só no ensino médio, como em todo o sistema educacional. Só que a medida provisória de hoje tem falhas que, se colocadas em prática, causariam uma ruína grande. Um professor que pode dar aula por notório saber, por exemplo. Ou tirar a obrigatoriedade de algumas disciplinas. São muitas coisas. O fato de ser uma MP também mostra que não houve o estudo necessário, não teve uma conversa, não foi debatido.

Muitos alunos e pais se queixam de não haver aulas, às vésperas de vestibular e Enem. Não é uma crítica justa?

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Acho válida. Mas tivemos aulões de literatura, fizemos grupos de estudo, fomos atrás para ajudar o pessoal. É uma preocupação. Se eu estivesse no terceiro ano, também estaria pensando nisso. Mas a gente está aqui por uma coisa maior. Se você está se dedicando ao estudo, à aprovação, não é deixar de ter aula que vai te prejudicar.

Eles argumentam que os alunos têm direito à educação, previsto na Constituição.

Eu não acho que a ocupação afronta a Constituição, até porque ela também tem o apoio da Constituição. Sim, eles têm direito à educação, mas a ocupação foi decidida no coletivo. A gente vive num estado democrático.

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Vale a pena ficar sem aula pela ocupação?

Vale. É um ideal. É uma coisa em que a gente acredita, é o nosso futuro. Se a gente não fizer isso agora, talvez não tenha volta. A gente tem que tentar.

Há políticos que vinculam as ocupações a um movimento de esquerda, que quer pressionar os governos Temer (PMDB) e Beto Richa (PSDB).

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Eu até entendo isso, é a opinião das pessoas. Mas as nossas opiniões pessoais não estão em jogo. O movimento é apartidário, a gente não recebe apoio ou dinheiro de ninguém. São os estudantes pelos estudantes.

Por que você se emocionou na Assembleia?

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Estava muito nervosa, tremendo demais. Falar em público já é difícil, imagine lá. Fiquei tremendo mesmo. Tremendo muito. Achei que não ia conseguir falar, que minha voz não ia sair. Foi o baque: "Meu Deus, estou aqui". Mas acabou dando certo.

Você já tinha falado em público ou participado de atividades políticas?

Nunca, só aqui nas assembleias dos estudantes. As pessoas perguntam: "De onde você surgiu, do que você participa?". Gente, eu não participo de nada. Eu surgi daqui, do colégio.

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Quando o presidente da Assembleia chamou a sua atenção, no que você pensou?

Eu fiquei: "Poxa vida. Calma e explica". Acho que houve uma falta de compreensão do que a minha fala significava. Mas acho isso normal. Eu vivo entendendo as coisas errado, por que os outros também não podem? Acho que não ficou muito claro. Mas é porque eles são representantes do Estado, e o Estado, assim como a família e a sociedade, têm dever com os adolescentes, crianças e estudantes. E eles são relapsos em políticas públicas voltadas para os jovens, que evitem que acontecimentos como esse ocorram. Porque infelizmente vai continuar. Não vai ser o último.

Muitas pessoas culpam as ocupações pela morte do estudante.

A ocupação não tem nada a ver com isso. É uma coisa que vai continuar acontecendo, se o governo não parar para tomar providências de verdade, de investir nos jovens. Por dia, vários estudantes morrem. Já teve vários casos de morte em escolas. A escola fecha. É lamentável, muito, todo mundo ficou muito abalado. Mas, infelizmente, é algo que já vem ocorrendo. Poderia ter acontecido numa lanchonete, numa praça pública, num cinema, na rua.

A ocupação na escola de vocês já foi alvo de algum protesto?

Por enquanto, não.

Vocês temem um acirramento das tensões agora, depois da morte do aluno?

Com certeza. A gente entende que é preocupante para os pais. E também tem o pessoal que é contra. Nós reforçamos as medidas de segurança.

Já decidiu o que quer prestar no vestibular?

Direito. Sempre gostei, me identifico. É aquela coisa de estar lutando pelos seus direitos, mas também conhecer os seus deveres. Acho que é bem importante, conhecer o que pode e não pode fazer.

Muitas pessoas que se opõem ao movimento dizem que os estudantes estão sendo usados politicamente.

A ocupação é um movimento político porque a gente está lutando pela educação, contra a medida provisória. Não tem como fugir disso. Nós estamos exercendo nosso direito político, de manifestação. A questão é que a gente não tem lado. Nós somos totalmente apartidários. Às vezes as pessoas acabam se confundindo, dizendo que a gente está de um lado ou de outro. Não. A gente é de todos, é para todos. A nossa única bandeira é a educação. Não temos outras bandeiras.

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